Blog do Daniel Brito

A história do mineiro que foi à Olimpíada e ninguém sabia. Nem os amigos

Daniel Brito

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Jarbas foi centroavante da seleção em Montreal-1976

Jarbas Tomazoli, 58, leva mineiramente sua vida em Brasília como servidor do CFF (Conselho Federal de Farmácia), mas tem nos mais bem guardados compartimentos da memória sua trajetória como atleta olímpico. Ele é mineiro de Ouro Fino, aquela cidade do “Menino da Porteira”, e envergou a camisa 19 da seleção comandada pelo saudoso Claudio Coutinho nos Jogos de Montreal-1976.

Era uma seleção de jovens, que tinha como parceiros de time o goleiro Carlos, o zagueiro Edinho, o volante Batista, o lateral-esquerdo Júnior,  o lateral-direito Rosemiro, o meia Alberto Leguelé, e o atacante Júlio Cesar “Uri Geller”. Jarbas, então com 18 anos, seria banco para Claudio Adão, mas este quebrara o perônio em uma dividida com o goleiro do América de São José do Rio Preto, e fora excluído do escrete nacional.

Depois de passar em primeiro na fase de grupos, com vitória por 2 a 1 na Espanha e empate sem gols com a Alemanha Oriental, o Brasil cruzou com Israel nas quartas. Jarbas foi o autor do primeiro e do terceiro gols na goleada por 4 a 1.

Essa seleção de jovens cairia ante ao mítico time da Polônia, com Tomaszewski, Deyna e Lato, na semifinal (derrota por 2 a 0), e perderia o bronze para a União Soviética, também completa, pelo mesmo placar. Jarbas voltou ao Brasil com o quarto lugar.

A dúvida é…
…Se você tivesse disputado uma edição dos Jogos Olímpicos pelo Brasil como centroavante titular da seleção e ainda marcasse gols, para quantas pessoas você relataria sua história? Quantos de seus amigos e colegas de trabalho não saberiam dessa façanha?

Bem, há gente que nem a Olimpíada foi, mas deu depoimentos como se houvera estado lá, como você leu neste blog e no Blog do Juca no finzinho de setembro. Mas há pessoas mais discretas, como Jarbas.

Poderoso Chefão 2
Montreal-1976 entrou para a história por diversos motivos. Foi lá que Nadia Comaneci “quebrou” o placar da ginástica com suas apresentações perfeitas. Sugar Ray Leonard era apenas um promissor boxeador e ganhou o ouro. Um certo Bruce Jenner sagrou-se campeão no decatlo. E em abril de 2015 este mesmo Jenner apareceu na TV dos EUA como padrasto de Kim Kardashian e anunciou que mudaria de gênero. Então, aos 65 anos passou a se chamar Caitlyn.

Jarbas tem diversas memórias daqueles Jogos. “A gente via a Nadia Comaneci na Vila Olímpica, ja sabia que era a estrela. Lembro de ter conversado bastante e tirado fotos com o Bernard [do vôlei, em sua primeira participação olímpica] na Vila dos Atletas”, conta o mineiro. “Em um dia de folga, após uma partida em Toronto, fomos assistir 'Poderoso Chefão 2', que pouca gente tinha visto no Brasil ainda”, relembra.

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Na seleção olímpica de 1976, Jarbas é o terceiro agachado da esquerda para direita (crédito: Arquivo Pessoal)

De centroavante a farmacêutico
Às voltas com repetidas lesões musculares, contemplou uma aposentadoria do futebol quase dois anos após Montreal-76. Era jovem, conseguiu se dedicar aos estudos, formou-se em farmácia na UFF (Universidade Federal Fluminense), e mudou-se para Brasília no início dos anos 1980. Desde então, Jarbas sempre manteve dentro de casa e entre os amigos mais próximos, especialmente de Ouro Fino, sua história como atacante da seleção olímpica.

“É que eu comecei uma vida nova, futebol foi uma página virada, acabou ali, e eu segui a vida. Nunca vi a necessidade de contar por aí ou, sei lá, espalhar a minha história como atleta olímpica. Obviamente, isso eu nunca vou me esquecer, está bem guardado”, explica o farmacêutico.

O baú da memória foi reaberto com um email da professora Kátia Rubio. Na pesquisa para a publicação do seu livro “Atletas Olímpicos Brasileiros” (SESI-SP editora), ela contatou Jarbas no CFF por email. Depois por telefone. Até vir a Brasília gravar o depoimento do ex-atleta.“Eu não contava essa história de Montreal-76, quando chegou o email da Kátia, pensei que era um golpe, um assalto, sei lá. Só depois entendi que era um trabalho sério”, relembrou Jarbas.

Kátia contou que o ex-atacante da seleção olímpica levou até o chefe e se debulhou em lágrimas no relato. “Acho que havia muitos anos que ele não relembrava tantas histórias”, emociona-se a autora do livro.

Família de boleiros
Jarbas vem de uma família de jogadores. Ele é irmão mais novo do meia Flamarion, que fez história no Guarani e Cruzeiro nos anos 1970, e ainda teve uma passagem pelo Sport Clube do Recife. Jarbas começou no Guarani, aos 15 anos. Três anos mais tarde, estava na seleção olímpica.

Seu primeiro contrato profissional foi com o América do Rio de Janeiro. Foi quando as lesões tornaram-se frequentes e ele optou pelo curso de farmácia. “Entendi que aquilo não era para mim. Aquela vida não ia dar certo, decidi estudar, e acho que tomei a atitude correta”, avalia Jarbas.

Livro aberto
No dia em que contatou Jarbas, este blogueiro falou com alguns profissionais do departamento de comunicação do CFF, que revelaram-se surpresos com a história. “A gente só soube que ele disputou Olimpíada quando o livro foi publicado e ele postou no Facebook”, contou uma jornalista.

Jarbas decidiu, agora, que não manterá a história em privado. “Bom, agora que já foi publicado até em livro, eu estou relatando para todo mundo sobre aquela Olimpíada”.

Jarbas é servidor do Conselho Federal de Farmácia

Jarbas é servidor do Conselho Federal de Farmácia