Escândalo de doping pode consagrar africana que teve que provar ser mulher
Daniel Brito
A sul-africana Caster Semenya, 24, pode herdar duas medalhas de ouro de uma só vez por causa do escândalo de doping envolvendo a equipe russa de atletismo. Ela foi medalhista de prata nos 800m no Mundial de Daegu-2011, na Coreia do Sul, e nos Jogos Olímpicos de Londres-2012. Em ambas as provas, foi superada por Mariya Savinova, 30.
Mas Savinova está enrolada até o último fio de cabelo com o escândalo de ocultação de resultados positivos de doping que ocorreu de forma sistemática com a anuência da agência russa de combate à dopagem e do ministério do esporte do país. Em relatório divulgado no início desta semana pela Wada (Agência Mundial Antidopagem), a campeã olímpica dos 800m merece um capítulo à parte.
A agência tem gravações telefônicas de Savinova admitindo o uso de substâncias para melhorar a performance nas competições e, ainda por cima, comprometendo o resto da delegação de atletismo do país. ‘Na Rússia, todos estão na ‘pharma’”, teria dito ela, referindo-se a laboratório que fornece suplementos proibidos pela Wada.
A agência, em seu relatório, recomenda que Savinova e a medalhista de bronze dos 800m em Londres, Ekaterina Poistogova, sejam banidas de forma perpétua do esporte e seus resultados sejam anulados.
Assim, Semenya ganharia dois ouros de uma vez só. À imprensa sul-africana, ela disse que ainda assim não se sentiria campeã. “Mesmo que venham esses ouros, eu ainda vou me considerar medalhista de prata”, afirmou após uma prova de rua na cidade de Tembisa.
Teste de femininidade
Ainda que o ouro olímpico chegue por vias tortas para Caster Semenya, a láurea coroaria uma longa jornada pela qual teve que passar para competir no cenário internacional.
O COI decidiu não permitir que mulheres com excesso de hormônio masculino, como a testosterona, competissem no feminino em Londres-2012. Ou seja, estariam excluídas as que sofrem de hiperandrogenismo, que é quando a mulher produz esses hormônios acima da média das demais de modo natural.
Os efeitos do androgênio (hormônio masculino) no corpo ajudam a explicar por que os homens têm performance superior às mulheres em vários esportes. Mulheres com hiperandroginismo geralmente têm atuação superior a outras atletas.
Este é o caso de Semenya, que nunca revelou por qual tipo de tratamento hormonal se submeteu (ou se submete ainda).
A atleta sul-africana ficou famosa no Mundial-2009, em Berlim, ao ser campeã mundial dos 800 m com mais de dois segundos à frente da segunda colocada, antes do controverso teste de gênero que precisou fazer. À época, levantaram-se suspeitas ao ponto de surgir o rumor de que a sul-africana seria hermafrodita. A IAAF (entidade máxima do atletismo) solicitou à federação sul-africana informações e exames da atleta.
A federação a defendeu, mas, em acordo com a IAAF, aceitou exames para comprovar o sexo de Semenya. Foram quase 11 meses de avaliações, período no qual Caster não pôde competir. Retornando apenas em 2011, para o Mundial de Daegu, no qual perdeu o ouro exatamente para Mariya Savinova.
Desde que surgiu naquele Mundial de Berlim-09 e foi alvo de tantas polêmicas, Caster Semenya nunca mais foi tão rápida.