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Rio-16 é autorizada pela Justiça a utilizar jovens de 14 anos como gandula
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Daniel Brito

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O goleiro Hart xinga um gandula durante jogo da Copa-14 em Manaus (reprodução da TV)

O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio-2016 pretende escalar menores de idade como gandulas em quatro modalidades. Hóquei, golfe, tênis e natação paraolímpica poderão contar com adolescentes a partir dos 14 anos na função de “repositores”, expressão utilizada pela organização.

A medida foi publicada no Diário da Justiça em 20 de abril. Está no artigo 3º da Recomendação nº 21 da  Corregedoria Nacional de Justiça. Foi fixada a idade mínima de 14 anos para participação de jovens e crianças em atividades como acompanhamento de atletas, porta-bandeiras, gandulas, amigos de mascotes, condução de tocha e performances culturais.

De acordo com o Comitê Organizador, a participação de adolescentes faz parte do legado dos Jogos. “A recomendação do CNJ permite que o Comitê ponha em prática o programa ‘Jovens Voluntários’, criado com a missão de envolver jovens atletas no Movimento Olímpico.  Os jovens atuarão como boleiros no hóquei e no tênis olímpico e paraolímpico, ‘cestinhas’ na natação paraolímpica, e ‘Standard Bearers’ no golfe”, explicou a Rio-2016 em nota por e-mail.

A recomendação, contudo, vai de encontro com o que versa o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a resolução 138 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e até a Constituição Federal.

Assédio moral e pressão psicológica
A resolução 138 da OIT, absorvida pela legislação do Brasil, tipifica a atividade de gandula como como uma das piores formas de trabalho infantil, especialmente na atmosfera do esporte de alto rendimento – que é exatamente o caso dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.

“As pessoas pensam: ‘Ah, isso não é trabalho, porque o adolescente acha bom estar ali, perto dos ídolos, de graça’. Mas é importante sempre lembrar da série de riscos que envolve esta atividade: riscos físicos, psicológicos, sociais, assédio moral, xingamento, pressão altíssima. Isso tudo influencia no desenvolvimento do adolescente”, explicou ao blog o procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho), Tiago Ranieiri. Ele é vice-coordenador nacional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT.

A atividade análoga à de gandula, ou repositores, é regulamentada no Brasil e prega que, em ambientes abertos, seja exercida por adolescentes a partir dos 18 anos e devidamente remunerado. Evita, assim, que clubes de futebol, por exemplo, utilizem os jogadores das categorias menores como gandula em partidas entre profissionais. A partir dos 14 anos, adolescentes podem atuar como “menor aprendiz”. A própria CBF possui uma resolução que impede jovens abaixo de 18 anos de atuar como gandula.

A assessoria do Rio-2016 explicou que apenas essas quatro modalidades foram selecionadas pela tradição. “No hóquei e no tênis atuam na reposição de bolas. No golfe, postam a pontuação dos atletas em estandartes, a cada par de buraco. E na natação paraolímpica coletam os kits [muletas e/ou próteses] dos atletas”, informou o Comitê. “O programa contempla cerca de 350 jovens, entre 14 e 18 anos, já iniciados no esporte, e planta a semente do trabalho voluntário, inspirando-os a se tornarem atletas de alto rendimento através da oportunidade de estarem no centro dos Jogos”, completou.

Nos esportes praticados indoor, como vôlei e basquete, por exemplo, serão designados gandulas maiores de idade durante a Rio-16. Assim como no torneio olímpico de futebol.

Polêmica no Mundial Fifa-2014
Durante a Copa do Mundo de 2014 houve polêmica semelhante. Envolveu a Coca-Cola, patrocinadora oficial da Fifa, que selecionou mais de 450 jovens de 13 a 16 anos, após realizar uma promoção com a venda de seus produtos, para atuar como gandula no Mundial do Brasil. O MPT chegou a ajuizar ação, mas os menores de idade ainda assim atuaram trajados com uniformes do patrocinador.

No caso dos Jogos Olímpicos, os adolescentes atuarão sob a égide de “voluntários” da Rio-2016, o que, ainda assim, se configura como desrespeito às diretrizes da OIT, do ECA e da Constituição Federal. De acordo com Tiago Ranieri, o diálogo com o Comitê Organizador do Rio-2016 é muito bom e ele acredita que esta portaria não será levada adiante.

“Trata-se de uma recomendação para fins de padronização. Mas a recomendação desta Portaria do CNJ está abaixo da Constituição Federal. É totalmente discutível se quiserem pautar o exercício dessa atividade [gandula] com base em uma recomendação. Esta Portaria não tem o fundo de preconizar e padronizar as relações de trabalho”, explicou o procurador.


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