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Arquivo : Hiperandrongenia

O mais antigo recorde do atletismo faz 33 anos. E a história é polêmica
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Daniel Brito

Czech athlete Jarmila Kratochvilova wins the 800 m event in a time of 1:54.68 at the 1983 World Championships in Athletics, Helsinki, August 1983. (Photo by Steve Powell/Getty Images)

Jarmila Kratochvilová celebra o titulo mundial dos 800m em 1983 (Steve Powell/Getty Images)

Jarmila Kratochvilová é a corredora de atletismo da imagem acima, em registro fotográfico que, neste mês, completa 33 anos. Foi em julho de 1983 que a atleta da então Tchecoslováquia quebrou o recorde mundial dos 800m com o tempo que nenhuma outra corredora conseguiu chegar perto desde então.

Kratochvilová cumpriu a distância em 1min53s28 e as condições em que atingiu a marca enchem de suspeitas esta efeméride.

Kratochvilová tinha 33 anos, nunca havia feito parte da elite do atletismo, e essa idade dificilmente representou o apogeu de um competidor de 800m. O recorde foi em 26 de julho de 1983, em Munique, às vésperas do Mundial de Atletismo, em Helsinque, na Finlândia. Recaía sobre os países do Leste Europeu uma enorme dúvida quanto ao doping sistêmico em seus atletas, como uma forma de mostrar pujança esportiva da Cortina de Ferro.

Chegou-se até a suspeitar de que pudesse se ser o caso de  hiperandrogenia, quando o corpo produz hormônios masculino acima da média das demais de modo natural. Kratochvilová tinha corpo de lutador de wrestling, com ombros largos, músculos bem definidos, atípicos para atletas daquela geração, e até o hábito de manter os pelos nas axilas. Ela fez o teste de feminilidade na época e nada ficou comprovado. O exame hormonal, tal qual é realizado hoje em testes de dopagem, só começou a ser adotado dois anos após o recorde de Kratochvilová.

A imprensa dos Estados Unidos, ainda movida pela polarização da Guerra Fria, incentivou uma pequena campanha contra Kratochvilová. Foram ouvidos médicos, treinadores, atletas, todos a contestar a tcheca. Ela, no entanto, jamais foi flagrada em exame antidoping. Sua carreira também foi fugaz. Começou para valer ali por 1977, aos 27 anos, e em 1985 já não estava nas principais competições.

Não disputou os Jogos Olímpicos de Los Angeles-1984 porque a Tchecoslováquia acompanhou o boicote liderado pela então União Soviética. Já estava em casa, aposentada com as láureas do recorde mundial quando o mundo viu surgir uma das grandes meio-fundistas de todos os tempos, Maria Mutola, moçambicana, três vezes campeã mundial e campeã olímpica.

Nem Mutola conseguiu se aproximar dos 1min53s de Kratochvilová. Sua melhor marca foi, arredondando, 1min55s. O recorde dos 800m no feminino havia sido quebrado 20 vezes desde a II Guerra Mundial, jamais foi ameaçado de 1983 para cá. No ano passado, a queniana Eunice Sun foi a melhor do mundo na distância, com 1min56s.

LONDON - AUGUST 21 : Jarmila Kratochvilova #183 of Czechoslovakia heads towards the finishing line in the 800 metres during the 1983 Europa Cup Final at the Crystal Palace National Sports Centre on August 21, 1983 in London, England. (Photo by Trevor Jones /Getty Images)

Kratochvilová atingiu o ápica da carreira de meio-fundista aos 33 anos, idade incomum (Trevor Jones /Getty)

A prova dos 800m obteve bastante destaque no feminino com algumas atletas de histórico curioso, como a sul-africana Caster Semenya, esta sim hiperandrogênica, que bateu na casa dos 1min55s há sete anos. E Maria Savinova, russa envolvida em escândalo de ocultação de doping, campeã mundial em 2011 em Daegu, na Coreia do Sul, e olímpica em Londres-2012. O melhor tempo da vida dela, hoje banida do esporte por doping, é 1min56s19.

Há cerca de 10 anos, um jornal tcheco publicou denúncias de que Kratochvilová dopava-se e isso teria dado a ela condição para atingir o recorde. As afirmações nunca foram comprovadas e a marca de Kratochvilová permanece válida e, aparentemente, inalcançável.

Em entrevistas, ela gosta de repetir que não ganhou mais que 3 mil coroas tchecas pelo recorde, o equivalente hoje a R$ 400. “Se fosse hoje, teria faturado US$100 mil [R$ 330 mil]”, lamenta frequentemente.

Hoje ela leva a vida de forma saudável aos 65 anos como treinadora de atletismo na República Tcheca.

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Atleta que teve que provar ser mulher conquista vaga na Rio-16
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Daniel Brito

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Velocista indiana Dutee Chand após conquistar a vaga na Rio-16: “Toda mágoa e toda dor desapareceram”

A indiana Dutee Chand, 20, tornou-se a primeira velocista de seu país a conquistar uma vaga nos Jogos Olímpicos desde Moscou-1980. Em um meeting internacional na cidade de Almaty, capital do Cazaquistão, ela foi medalha de prata nos 100m com 11s24. “É engraçado porque toda aquela dor, toda a mágoa e as lágrimas que derramei simplesmente desapareceram. É como se nunca tivesse acontecido”, disse Dutee ao “Times of India“, o maior jornal em língua inglesa do país.

A dor e as lágrimas a que se refere são pelo longo e humilhante processo pelo qual foi submetida para poder competir. Dutee é hiperandrogênica, produz hormônios masculino acima da média das demais de modo natural. A IAAF (sigla em inglês para Federação Internacional de Atletismo) excluiu a indiana de competições em 2014.

Às vésperas de representar a Índia nos Jogos da Commomwealth em Glasgow-2014, ela foi submetida a um humilhante teste de femininidade pela própria federação indiana de atletismo e dispensada da delegação. Recebeu como recomendação que passasse por tratamento hormonal ou cirurgia para se adequar aos níveis de testosterona permitidos pela IAAF e pelo COI.

Dutee recebeu o apoio de um grupo de advogados australianos e canadenses especializados em questões de gênero e levou o caso até o TAS (Tribunal Arbitral do Esporte), na Suíça. Há um ano, a mais alta instância jurídica do esporte questionou a vantagem atlética dos níveis naturalmente elevados de testosterona e deu um prazo de dois anos até que se comprove cientificamente que níveis elevados de testosterona produzida naturalmente melhore o desempenho de uma atleta.

O tempo que Duttee Chand alcançou em Almaty no final de semana está longe de figurar entre os 50 melhores deste ano nos 100m. Se compararmos com o Brasil, os 11s24 empatariam com a marca alcançada por Rosângela Santos no início do mês, e que lidera o ranking nacional em 2016.

A classificação de Dutee para o Rio-16 é celebrado na Índia, nação dificilmente conhecida por seus feitos olímpicos, por ser a 100ª atleta a conquistar vaga em uma edição dos Jogos, número recorde. Mas é uma vitória maior ainda para as mulheres.

PORTLAND, OR - MARCH 19: (L-R) Anaszt¡zia Nguyen of Hungary, Jamile Samuel of the Netherlands and Dutee Chand of India compete in the Women's 60 Metres Heats during day three of the IAAF World Indoor Championships at Oregon Convention Center on March 19, 2016 in Portland, Oregon. (Photo by Christian Petersen/Getty Images for IAAF)

Dutee Chand, à dir, durante o Mundial indoor, em Portland, Estados Unidos (Christian Petersen/Getty )


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