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Arquivo : Marlone

A história do meia do Corinthians que só conheceu o irmão gêmeo aos 12 anos
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Daniel Brito

(Crédito: Arquivo pessoal)

Marlone, à esq., e Marlon foram separados na maternidade (Crédito: Arquivo pessoal)

Deusa tinha só 13 anos quando trouxe ao mundo os gêmeos Marlone e Marlos. Ali mesmo, na maternidade de Augustinópolis, cidade numa região conhecida como Bico do Papagaio, no norte do Tocantins, ela decidiu que entregaria os dois meninos a quem pudesse (e quisesse) criá-los. Eles eram frutos de uma gravidez tão traumática quanto indesejada.

“Uma pessoa de 13 anos não entende as coisas direito. Ainda mais no interior, do jeito que as coisas costumam ser, infelizmente. A gravidez veio após abuso sexual do meu pai biológico”, revelou ao blog, tropeçando nas palavras, Marlos, 23, em entrevista por telefone.

Esse é só o começo da impressionante história de vida do novo meia do Corinthians, Marlone, filho de Deusa, gêmeo de Marlos, ou melhor, Marlon, como prefere ser chamado, hoje jogador do Gama, o time mais tradicional do Distrito Federal.

“Quase morremos nós três na hora do parto. Minha mãe teve hemorragia, foi uma gravidez muito difícil por tudo que ela passou, né? Sofremos um bocado, mas graças a Deus estamos aqui para contar a história”, disse Marlon. “Ela não sentia aquele desejo de ser mãe, até pela forma como foi. Tem trauma até hoje…ela não gosta de ver nem eu e nem Marlon….de repente até com medo de o amor voltar…ela sempre mantém distância”, disse, também procurando palavras, Marlone, em entrevista à ESPN  quando ainda estava no Fluminense, em abril de 2015.

E foi uma diferença de 600g que praticamente determinou, horas após o parto, o destino dos dois irmãos.

Separados no berço
A oferta de Deusa às enfermeiras foi aceita, e Marlone foi logo adotado pela família de Jaldo e Eunice. “Marlone nasceu pesando 2,3kg e eu com 1,7kg. Eles [Jaldo e Eunice] viram o bebêzinho mais gordinho e escolheram ele”, contou Marlon, que ficou com a família biológica, apesar do pedido dos pais adotivos de manter os gêmeos juntos com eles.

Mas Marlon e Marlone passaram a infância sem se ver. Sabiam da existência um do outro, mas Marlon mudou-se com a família para o interior do Piauí, para morar em um sítio de criação de gado. Marlone ficou em Augustinópolis, cidadezinha de 15 mil habitantes, em um lar cujo pai era servidor público, com renda fixa. Essa estabilidade deu condições para que Marlone pudesse até iniciar no futebol em uma escolinha, para aprender e aperfeiçoar os fundamentos. Enquanto isso, Marlon jogava peladas no terrão no Piauí.

“O povo todo acha estranho porque ninguém da família joga futebol, nem nosso pai biológio, nem nosso avô, que eu chamo de pai. Parece que está mesmo no sangue meu e de Marlone”, disse o hoje meia do Gama.

O grande encontro
Certo dia de 2004, Marlon estava de passagem em Augustinópolis, iria visitar uma irmã de Deusa, a mãe biológica, que, veja só, casou-se com o pai biológico dos gêmeos, o mesmo que teria abusado sexualmente de Deusa. Em um ponto de ônibus, aquele menino da pele clara e dos cabelos quase brancos de tão loiros foi visto por um amigo de Marlone. Os dois irmãos gostavam de dizer aos amigos de bairro e de escola que tinham um gêmeo, mas como ninguém nunca os vira juntos, a história era motivo de zombaria.

(Crédito: arquivo pessoal)

(Crédito: arquivo pessoal)

Foi naquele ponto de ônibus de Augustinópolis a primeira vez que se viram e se abraçaram desde o dia em que foram separados na maternidade, em abril de 1992. Houve muito choro e muita festa, muita conversa e muitos planos. Era o feriado da Semana Santa e Marlon desistiu de visitar a tia para ficar na casa da família adotiva de Marlone. E queria ficar de vez, o que contou com o consenso de ambas as famílias.

No discurso antes do almoço do domingo, Eunice, mãe adotiva do meia do Corinthians, citou a família de Marlon, que deveria estar triste pela permanência do menino em Augustinópolis.

“Rapaz, nessa hora, quando citaram o nome da minha avó no discurso do almoço, eu desabei de chorar e falei que queria voltar para o Piauí. Foi triste demais. Eu podia ter ficado, mas também não podia ter deixado minha avó lá no Piaui”, relembrou, emocionado, Marlon.

Russo de Olaria

Marlon defendeu o Olaria enquanto o irmão jogava no Vasco (crédito: divulgação)

Marlon defendeu o Olaria enquanto o irmão jogava no Vasco (crédito: divulgação)

Ele só voltou a ter notícias do irmão quatro anos mais tarde, quando Marlone estava no Vasco. Foi aí que Marlon decidiu virar jogador de futebol também, igualzinho ao irmão. Arrumou as malas, engoliu o choro e partiu para Augustinópolis.

“Passei um ano e meio treinando fundamentos, porque eu não tinha a mesma base que meu irmão. E aos 18 anos fui para o Rio, morar com ele”, disse Marlon. Passou pela base do Olaria, ficou conhecido como o “Russo de Olaria”. Jogou pelo Madureira e, antes de desembarcar no Planalto Central, defendeu Boa Esporte, de Minas Gerais.

Enquanto isso, Marlone foi do Vasco, Cruzeiro, uma passagem rápida pelo Fluminense, e Sport, até ser contratado nesta temporada pelo Corinthians.

“Dizem que eu e ele temos o mesmo jeito de correr. E nós fazemos as mesmas funções ali no meio de campo. Eu jogo como falso volante, que tanto chega lá na frente para atacar, como está lá atrás auxiliando a defesa. E isso o Marlone faz muito bem”, comparou.

O Gama é o atual campeão do Distrito Federal, o Candangão, e Marlon é uma das principais contratações do clube para manter a hegemonia local.

Cientificamente, ele tem potencial para chegar até onde o irmão chegou. Um estudo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, comprovou que gêmeos idênticos, mesmo criados separados, possuem a mesma personalidade,  o mesmo gosto e a mesma inteligência. É genético.

Este é o caso de Marlone e  Marlon.

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