O que aconteceu à corredora que ajudou a rival que caiu em prova na Rio-16?
Daniel Brito
Foi uma das cenas mais marcantes dos Jogos Olímpicos Rio-2016. Aconteceu em um fim de manhã quente de agosto, na pista azul de atletismo do Estádio Olímpico Nilton Santos. Dezessete mulheres disputavam a segunda bateria dos 5.000m. Na altura dos 3.200m, a neozelandesa Nikki Hamblin tropeçou na japonesa Misak Onishi e foi ao chão. Imediatamente atrás, vinha a americana Abbey D’Agostino, que não conseguiu frear e tombou ao lado. A japonesa nada sofreu e seguiu a corrida.
Abbey rapidamente se recompôs e, em vez de sacudir a poeira e terminar sua prova, puxou Nikki pelo ombro e disse algumas palavras de incentivo. Ao tentar retomar o ritmo, desabou no chão. Só no replay do tropeção é que dá para perceber.
A perna esquerda da americana fizera um movimento brusco, quase formando uma letra S, que resultou na ruptura total do ligamento cruzado anterior do joelho, além de lesão no menisco e torção no ligamento medial colateral. Quem já sofreu este tipo de contusão sabe o quão angustiante é ver alguém vivendo esta experiência.
Lesão pouco frequente no atletismo
Quantos jogadores de futebol já não saíram de maca, aos prantos, após romper os ligamentos do joelho? É uma contusão até certo ponto comum em modalidades em que se exige a mudança de direção do atleta, como futebol e outros esportes com bola (basquete, vôlei, handebol). No atletismo acontece, mas com frequência irregular.
Pois Abbey tombou com o joelho esquerdo em frangalhos. Aí foi a vez da neozelandesa Nikki Hamblin retribuir a delicadeza e incetivá-la a terminar a prova. “Quando eu caí, me flagrei pensando: ‘Deus, o que aconteceu, por que eu estou no chão?’ Aí eu senti uma mão no meu ombro, era Abbey D’Agostino dizendo: ‘Levante-se, vamos terminar esta prova, estamos nos Jogos Olímpicos’”, relatou Nikki Hamblim aos jornalistas após a bateria.
O que D’Agostino fez a seguir parecia impossível para quem acabara de romper um ligamento, torcer o outro e lesionar o menisco. Completou os 1.800 metros restantes e fechou a prova em 17min10s02 (mais rápido que o blogueiro – o que não é difícil). Na soma do tempo de todas as participantes, a americana foi a antepenúltima, à frente de uma atleta das Ilhas Salomão e do Congo, porém, três minutos mais lenta que a campeã olímpica dos 5.000m, a queniana Vivian Cheroiyot.
Abbey D’Agostino deixou a pista em cadeira de rodas. Ganhou uma vaga na final, porém, não tinha a menor condição de competiu. E não o fez desde então. No dia seguinte já estava tudo pronto para a cirurgia de reconstrução do ligamento (praticamente do joelho todo) nos primeiros dias de setembro.
Status de campeã olímpica em casa
A partir daí, ela se tornou celebridade. Sua imagem puxando Hamblin para retomar a corrida foi tão vista pelo mundo quanto a conquista dos ouros de Phelps e Bolt ou o penâlti de Neymar contra a Alemanha. Entrou para o hall de momentos inesquecíveis, como o da maratonista Gabrielle Andersen, ao final da maratona dos Jogos de Los Angeles-84, totalmente debilitada a dar a última volta no estádio olímpico para cumprir os 42km da prova.
Abbey retornou a Boston, onde mora e estuda. Foi homenageada em um jogo do Boston Red Sox, no mítico estádio de Fenway Park, também compareceu em um jogo da NFL para receber honrarias do New England Patriots, e no jogo do Boston Celtics, da NBA. Juntou-se à judoca Kayla Harrison, que faturou o bi olímpico na Rio-16, e outros medalhistas do Estado de New England e foi laureada pelos feitos.
Espera-se que agora em janeiro ela possa retomar os treinos normalmente. “Eu espero, de verdade, que possa voltar a correr em alto nível, que ainda tenha uma jornada para seguir no mundo do atletismo”, disse ao Boston Globe, em dezembro, Abbey D’agostino.